23 de janeiro de 2014

7 de fevereiro de 2013

Adágio

Todos nos lembramos do momento em que dissemos mãe, não andes tão depressa. Quando as mãos são demasiado pequenas para agarrar a pressa que é ser adulto. Quando as pedras da calçada são demasiado grandes para caberem todas debaixo dos nossos pés. 
Todos nos lembramos do momento em que a situação se reverte. Quando nos dizem não andes tão depressa. Quando chegar é que importa e o resto são trocos. Quando a meta é nossa e de mais ninguém. Quando o corredor é só nosso. Quando não queremos que ninguém nos veja tropeçar. 

Três quartos de ano e o funeral do meu pai depois, voltei a dar a mão à minha mãe. E fui pequenina outra vez: mãe, não andes tão depressa. Mãe, não vivas tão depressa, que essa história de sermos nós a fazer o nosso caminho é uma treta, são os senhores lá de cima a jogar King connosco, damas e valetes fora quando lhes apetece. 

Mãe, não andes tão depressa, que devagar vamos longe e eu não quero ficar para trás.


14 de novembro de 2012

Dramas da mulher moderna #2

A vida moderna tem essa coisa excitante de nunca sabermos o que nos espera atrás de uma janela de chat intermitente. Naquele dia, ele acreditou que a frieza da tecnologia tinha sido subjugada ao poder divino: no mesmo segundo, partilharam o mesmo link.

- "É um sinal. Vamos ficar juntos para sempre", disse ele.
- "Não", respondeu ela, cortando-lhe o entusiasmo. "Só quer dizer que recebemos a mesma informação no nosso feed."

A Internet matou-nos a lamechice.


29 de maio de 2012

As pessoas são cidades e nós vivemos nelas.

Vi que todos os prédios que construímos já não existem. Pelo menos foram demolidos e não deixados em ruínas. Lembro-me de ter saído pelas escadas de incêndio antes do Dia D. Não quis ficar para assistir - se isso tivesse acontecido, não teria regressado hoje, pela única estrada que resta. Vim de pés descalços à espera de poder pisar alguns estilhaços. Iludi-me; está tudo esterilizado, qual corredor de enfermaria.

Vou voltar à minha nova morada.

3 de abril de 2012

Desespero pela simplicidade #2

É uma coisa universal, essa de querer viver num passado que não é nosso, como se nos tivessem roubado o brinquedo que sempre nos pertenceu. Recriar esse refúgio é um esforço inglório: somos todos filhos do tempo em que crescemos, dessa puta que é a contemporaneidade. E na verdade, só há vontade de escapar ao que já se tem. A minha geração já viu provavelmente mais mundo que qualquer outra e, ainda assim, não saciou aquela eterna sensação de inquietação ("sempre uma inquietação..."), de só estar bem onde não está. Já sabemos que não é defeito, é feitio - e quem é que vai fazer disso um dardo tranquilizador? Também ninguém nos mandou viver na pista sem sabermos ser cavalos de corrida.

20 de março de 2012

Sisters in arms

As manhãs ficam-nos mal, desalinham-nos os cabelos e as disposições. Lavamos a cara, mas o dia continua turvo, de tantos remoinhos a contornar. Os cereais, o sumo de laranja, as tostas mistas - nada disto prepara os estômagos para o quotidiano, boxeur extraordinaire. Desejo-te um bom dia, porque, afinal de contas, os 23 anos ainda namoram a possibilidade das surpresas ao virar da esquina.

Tentamos descobrir novos atalhos para atravessar o dia, quando o ponteiro aponta para a desmotivação - 03h45 para o regresso à apatia permitida, 01h20 para o sonho do impossível e os projectos a concretizar. Em loop diário, como uma má canção que não nos sai da cabeça.

Assim vamos riscando os dias no calendário, lado a lado, para evitar tropeçar no mundo.

8 de março de 2012

It's a rollercoaster, baby.


Gostavas das alturas porque só assim deixavas de te sentir pequena. As pessoas como formigas a enganar a vida com algodão doce, as luzes como pontos indistintos que tornam tudo menos solitário. Mas, suspensa a centenas de metros, não tens ninguém que te segure a mão. Não há drama nenhum nisso; o que mais dói é contar com os outros, estraga-nos a biologia. Menos de cinco minutos de pausa na realidade, com menos oxigénio a que estás habituada, quase provando que és sobrehumana - não precisas de O2 para absolutamente nada, és independente com o teu monóxido de insatisfação, dióxido de sonhos. Não é tempo suficiente para organizar a vida, mas serve para juntar mais alguns cenários prováveis à equação: um amor, uma cabana, uma carteira suficientemente pesada, noite de dia e dia de noite, uma agenda socialmente agitada para esquecer as mágoas. Das viagens não precisas; não consegues ainda compreender como há quem prefira esvaziar a conta bancária para atravessar um oceano, quando o pensamento não tem limite de milhas. É lá preciso conhecer o mundo, quando somos todos iguais? Nojentos similares. Não podemos com o cheiro uns dos outros no metro no autocarro nos centros comerciais nos supermercados na segurança social no site das finanças. Toda a gente odeia toda a gente, favores a cobrar favores a cobrar favores a cobrar favores a cobrar favores. E para onde queres ir? Para um sítio sem IVA? Escolhe Marte ou um dos novos planetas a quem ninguém quer dar nome, não vá ser mais fácil emitir bilhetes de partida. MFGXTSNB G4381010-09Z. Impronunciável destino de férias permanentes, para o qual já tens malas feitas.

Voltaste a pisar terra firme, mas já estás na fila para a segunda volta.