15 de novembro de 2008

O tempo, o tempo.

Os relógios são o objecto mais triste de que há memória. Existem para nos lembrar de que estamos atrasados, ou de quantas horas já passámos sem conseguir dormir, ou de quão escasso é o tempo bem passado, ou de quão rápido passam os minutos até àquele momento decisivo-mas-tão-angustiante, ou de quão velhos vamos ficando, os segundos a despedirem-se da juventude.

O relógio vive do tempo e nós vivemos em função dele. Tudo depende de horários, calendários - vivemos de 24 em 24 horas em vez de vivermos a vida inteira. Na pressa de sermos alguém, somos espectadores desse tempo que nos despreza. Parecemos ex-amantes de orgulho ferido, rastejando por uma segunda oportunidade, por mais um dia, mais uma noite, mais um bocadinho que seja.

Nesta relação febril com o tempo, criámos as semanas e a cada dia e mês demos um nome, como se quisessemos prestar culto - só que o Deus não quer ser adorado; vai apenas passando, que é a única coisa que sabe e tem a fazer. E nós, infinitamente estúpidos, reverenciamo-lo, ao mesmo tempo que o esquartejamos, nunca satisfeitos: é hora de ir para casa, é hora de sair, é hora de dormir, é hora de acordar, é hora de comer, é hora de aprender, é hora de chorar, é hora de comemorar, é hora de viver, é hora de esquecer, é hora de gritar, é hora de morrer. É sempre hora de qualquer coisa, é dia, mês e ano disto ou daquilo. Assim sobrevive cada um no seu fuso horário.

Por ser sempre hora de qualquer coisa, nunca é hora de nada, na verdade. Por isso, gastamos o tempo a dizer que não o temos, fazendo malabarismo com a ilusão das infindáveis tarefas que temos de cumprir. Passamos o tempo a ver o tempo passar, fazendo de conta que seguir um horário é o mesmo que ser útil.

Fartei-me de ser espectadora.

4 comentários:

  1. que texto! e que declaração de intenções...

    "vivemos de 24 em 24 horas em vez de vivermos a vida inteira" - adorei.

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  2. A realidade é que o dia tem 24h, quer queiramos, quer não. Tendo em conta esse facto irrefutável, fazes o que queres do teu tempo. Moldas da forma que melhor se ajuste às tuas necessidades, aos teus gostos, a todas as pequenas e grandes coisas que te fazem feliz.

    Como o meu avô costuma dizer: "Há tempo para tudo!" .. tem é de ser bem gerido.


    P.S.: É hora .. de começares a escrever mais!

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  3. muito bom! gostei imenso do texto. também detesto relógios!

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